Os copistas dos livros da Bíblia tinham o costume de “atualizar” ou “modernizar” nomes de localidades quando isso se fazia necessário. Não faziam isso com o fim de adulterar a Palavra de Deus, mas, sim, para melhor compreensão dos leitores. O entendimento dessa prática ajuda a esclarecer a questão da menção à cidade de Dã, no tempo de Abraão (nascido em aproximadamente 1950 a.C., conforme SDABC, v. 8, p. 9), quando ainda não havia cidade com esse nome. Como nos informa o relato bíblico, só houve uma cidade com o nome de Dã quando os descendentes desse bisneto de Abraão conquistaram determinada cidade ao norte da Palestina, por volta de 1405 a.C.
Vejamos, a seguir, alguns exemplos de atualização de nomes de lugares mencionados pela Bíblia, geralmente introduzidos pelas expressões “esta é” ou “que é”:
1. “Fizeram guerra contra [...] o rei de Bela (esta é Zoar)” (Gn 14:2).
2. “… morreu [Sara] emQuiriate-Arba, que é Hebrom…” (Gn 23:2).
3. “Seguia o limite… e terminava em Quiriate-Baal (que é Quiriate-learim) (Is 18:14).
4. “Então, José estabeleceu a seu pai e a seus irmãos e lhes deu possessão na terra do Egito, no melhor da terra, na terra de Ramessés” (Gn 47:11). O nome “Ramessés” aparece ainda em Êxodo 1:11; 12:37 e Números 33:3. Nesse mesmo capítulo de Gênesis 47, é mencionado o nome antigo do lugar dado aos israelitas para morar: trata-se da “terra de Gósen” (ver Gn 47:1,4,6,27). “Gósen” aparece ainda em Gênesis 46:28, 29,34 e Êxodo 9:26.
Muito s, por desconhecerem a prática da “atualização” de nomes feita pelos copistas bíblicos, chegam a afirmar que a Bíblia data o Êxodo do tempo do faraó Ramsés II (1299-1232 a.C), somente por causa da menção ao nome “Ramessés”, em Êxodo 1:11, onde se diz que “os israelitas edificaram a Faraó as cidades-celeiros, Pitom e Ramessés”. Mas, de acordo com a informação bíblica de 1 Reis 6:1, o Êxodo pode ser datado por volta de 1445 a.C, no tempo do faraó Amenotepe II (1450-1425 a.C). A verdade é que o faraó Ramsés II tinha o costume de atribuir a si feitos de faraós anteriores. Assim, muito tempo depois da expulsão dos invasores Hicsos, esse faraó aumentou e embelezou a antiga capital daqueles invasores, chamada Tânis (a bíblica Zoã, cf. Nm 13:22), e deu seu próprio nome a ela (SDABC, v. 1, p. 497,498).
Os exemplos de atualização mencionados são suficientes para se ver que o mesmo processo aconteceu ao texto de Gênesis 14:14: ” Ouvindo Abrão que seu sobrinho estava preso, fez sair trezentos e dezoito homens dos mais capazes, nascidos em sua casa, e os perseguiu até Dã.”
Sabemos, pela Bíblia, que, no tempo de Abraão, a cidade de Dã era chamada de “Laís” (Jz 18:27-29) ou “Lesem” (Is 19:47). Então, como a cidade de Laís/Lesém passou a se chamar Dã? Isso ocorreu quando a tribo de Dã tomou essa cidade, após os israelitas terem invadido a Palestina, por volta de 1405 a.C. É isso o que nos diz o relato bíblico: ”Saiu, porém, pequeno o limite aos filhos de Dã, pelo que subiram os filhos de Dã, e pelejaram contra Lesem, e a tomaram, e a feriram ao fio de espada; e, tendo-a possuído, habitaram nela e lhe chamaram Dã, segundo o nome de Dã, seu pai” (Is 19:47);”… e chegaram a Laís, a um povo em paz e confiado, e os feriram a fio de espada, e queimaram a cidade. [...] Reedificaram a cidade, habitaram nela e lhe chamaram Dã, segundo o nome de Dã, seu pai, que nascera a Israel; porém, outrora, o nome desta cidade era Laís” (Jz 18:27-29).
As s im, fica óbvia a atualização da cidade que, no tempo de Abraão, se chamava Laís ou Lesem, para Dã, nome pelo qual ficou conhecida após sua conquista pela tribo de Dã, mais de 400 anos depois do tempo de Abraão. Assim, é verdadeira a informação de que esse patriarca perseguiu os reis até “Dã”, nome como era conhecida nos dias do copista bíblico, mas conhecida por Abraão como Laís ou Lesem.
Devemos dar graças a Deus porque, além de inspirar os escritores bíblicos ao escreverem a Bíblia, Ele também velou para que Sua Palavra escrita fosse preservada sem adulteração. Alguma “atualização” que se fez necessária a algum nome antigo não prejudica o relato bíblico, antes ajuda os leitores a compreendê-lo ainda melhor.
Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e editor na Casa Publicadora Brasileira.
Fonte: www.setimodia.wordpress.com
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