30 de mar. de 2012

Problemas de Tradução da Bíblia


Os latinos, aqueles que primeiro compreenderam, os inúmeros problemas implicados numa tradução, declararam o seguinte: “Omnis traductor, traditor”, que em português significa: “Todo tradutor é um traidor”. Os italianos através da expressão “traduttore, traditore” expressam a mesma idéia.

Esta velha locução proverbial, pode aplicar-se também ao tradutor da Bíblia, que, muitas vezes, se sente impossibilitado de transmitir a exata mensagem que se encontra no original. Os tradutores, por vezes, se encontram diante de intrincados problemas de vocabulário e de sintaxe, para os quais é difícil apresentar uma solução honesta e exata.

Breno da Silveira, a maior autoridade na arte de traduzir que este país já conheceu, declarou: a arte de traduzir é sumamente difícil, por isso todos os que se emprenham nesse mister cometem graves erros.

A palavra da sagrada escritura é como o precioso vinho que ao ser mudado de um vaso para outro perde algo de sua força e sabor. O mesmo se dá na tradução de uma língua para outra.

Ellen G. White, assim se expressou no Manuscrito 16 de 1888.

“Muitos nos olham seriamente e dizem: ‘A senhora não acha que tem havido erros de copistas ou de tradutores?’ Tudo isto é provável, e a mente que seja tão estreita que hesite ou se escandalize com esta possibilidade ou probabilidade, estará bem pronta a escandalizar-se com os mistérios da Palavra Inspirada, porque suas débeis mentes não podem ver através dos propósitos de Deus.”

Neste capítulo, o prezado estudante, encontrará alguns dos intrigantes problemas que enfrenta quem tem a responsabilidade de transmitir a mensagem divina, em línguas diferentes daquelas em que primitivamente a Bíblia foi escrita.

Se é difícil hoje, numa tradução, exprimir a idéia de outra língua, muito mais difícil é fazê-lo, com uma língua morta há muitos séculos e de civilização completamente diferente.

Diante dos problemas de tradução, o ideal seria que todos – pudessem ler a Bíblia nos idiomas originais, mas este ideal é utópico ou simplesmente privilégio de um pequeno grupo de eruditos.

Uma boa tradução não dependerá apenas da fidelidade ao original, do bom conhecimento gramatical nas duas línguas, e da facilidade de redigir com clareza e elegância, mas também dependerá muito da qualidade do texto em que se baseia.

Por exemplo, a Versão Autorizada ou a King James Version, apesar de ser um trabalho honesto e consciencioso é deficiente, porque os textos originais em que se baseou, não eram os melhores. Posteriormente novos manuscritos foram descobertos como o Sinaítico e o Vaticano e melhores edições críticas, nas línguas originais, foram preparadas.

A tradução de Moffatt foi muito bem aceita pelo povo, mas a Crítica Textual nos mostra que é deficiente por se ter baseado no texto de Von Soden. A superioridade da New English Bible sobre traduções anteriores, encontra-se na circunstância de ter por base melhores manuscritos.

É difícil traduzir o hebraico para uma língua moderna, porque ele apresenta características muito próprias e uma estrutura bastante diferente das línguas ocidentais. O tradutor do hebraico, onde quase não há orações subordinadas e as frases são muito pequenas, fica muitas vezes perplexo se deve manter a índole da língua original ou construir as frases com os meios mais complexos das 1ínguas modernas.

Embora o hebraico seja uma língua pobre em número de vocábulos, pois a Academia do Idioma Hebraico registra cerca de 30.000 palavras e no Velho Testamento haja apenas 7.704 vocábulos diferentes, Gesenius nos informa que há oito diferentes termos hebraicos para conselho, doze para trevas, vinte e dois para destruição, dez para lei e vinte e três para riqueza. Esta multiplicidade de palavras para transmitir a mesma idéia apresenta, por vezes, sérios dilemas para o tradutor. Como exemplo comprobatório pode ser citado o Salmo 119, que é uma exaltação da lei de Deus. Em cada versículo se lhe faz uma alusão com uma palavra diferente. Pode observar-se que os tradutores em português procuraram transmitir a idéia de lei sinonimizando-a com as seguintes palavras: caminho, prescrição, mandamento, preceito, testemunho, decreto, palavra, ordem e sentença.

O grego para nós, de cultura latina, seria mais fácil porque seu alfabeto se assemelha mais ao nosso e também por causa da decisiva influência grega na cultura de todos os povos, pois suas múltiplas palavras se tornaram mais familiares a todos nós. Deve-se, porém, ter em mente que o grego é uma língua bastante complexa em sua estrutura gramatical, enquanto o hebraico neste aspecto é uma língua ímpar, singela, portanto fácil de ser aprendido.

As línguas usadas para a transmissão das mensagens divinas – hebraico, aramaico e grego possuíam cada uma, gênio próprio e expressões que, muitas vezes, não lhes permitiam a transposição para as línguas atuais.

Como bem salientou Edith A. Allen:

“A mensagem da Bíblia expressa-se em linguagem oriental. No seu modo de viver e pensar, o oriental é diametralmente oposto ao homem do ocidente, fato este que constitui grande barreira à compreensão e interpretação de muitos trechos das Escrituras.”

No hebraico, aramaico e grego, uma palavra pode ter diversas significações em contextos diferentes e, infelizmente, nem sempre os tradutores levaram em consideração esta circunstância. Outras vezes, diversas palavras nestas línguas necessitam ser traduzidas por uma única palavra em português, como acontece com o nosso verbo amar, que em grego é expresso por quatro palavras diferentes.

Letras hebraicas muito semelhantes como beth e kaph, daleth e resh, vau e iodh, e gregas como ni N e ipsilon Y trouxeram problemas para a tradução quando os copistas as confundiram, fazendo com que o significado da palavra fosse mudado.

Os seguintes exemplos ilustram bem as assoberbantes dificuldades enfrentadas por aqueles que se dedicam a verter a Palavra de Deus para outra língua:

I – MUDANÇA DE SINAIS

A simples transposição de um sinal ou a leitura do texto consonantal com diferentes sinais vocálicos podem alterar totalmente o sentido da frase. Crêem alguns que isto foi o que aconteceu em Gênesis 49:21, que aparece de duas maneiras diferentes: “Naftali é uma gazela solta, ele profere palavras formosas”, ou “Naftali é uma árvore frondosa, da qual brotam formosos ramos”. Na tradução dos Setenta, foi a primeira frase que prevaleceu.

Adão Clarke, em nota ao pé da página, depois de apresentar a tradução de Bochart, “Naftali é um carvalho frondoso, que produz formosos ramos”, declara: talvez ninguém que compreenda o gênio da língua hebraica tentará contestar sua propriedade, ela é tão literal quanto correta.

II – VERSOS SEM SENTIDO

Há versículos na Bíblia, diante dos quais, os tradutores ficam perplexos, porque se sentem incapazes de traduzi-los com clareza e objetividade. Um deles é I Crônicas 26:18 que afirma: “Em Parbar ao Ocidente: quatro junto ao caminho, dois junto a Parbar”. A Authorized Standard Version traz uma nota, ao pé da página, explicando que é difícil saber o significado do verso. Há várias conjeturas para o significado de Parbar, porém, nenhuma é plenamente satisfatória.

III – A TRADUÇÃO DE GÊNESIS 4:7

As dificuldades apresentadas por este versículo são de tal vulto, que notáveis comentaristas modernos crêem que algum copista tenha modificado o texto hebraico original. A tradução do hebraico na Septuaginta é obscura e inaceitável, chegando o Comentário Bíblico Adventista a afirmar sobre este verso: “Que os tradutores da Septuaginta acharam sua significação obscura no seu tempo é evidente da tradução deturpada que dele fizeram.”

A tradução de Lázaro Ludovico Zamenhof para o Esperanto diz: “Sem dúvida se agires bem, serás forte, mas se agires mal, o pecado jazerá à porta, e ele a ti pretenderá, mas governa acima dele.”

Após estudá-lo em várias traduções, de consultar comentários e explicações exegéticas do texto hebraico concluí que não é fácil apresentar em português uma tradução clara e que transmita a idéia exata do original. Deixando de lado os comentários exegéticos, que transcendem o escopo deste trabalho, eis uma pálida tentativa que fiz para o traduzir: Se você for bom, poderá reerguê-lo (o semblante), mas se não for, o pecado como um animal bravio está à sua porta, ansioso para dominá-lo, mal você o poderá vencer.

IV – O SIGNIFICADO REAL DE ISAIAS 7:14

Os comentaristas de um modo geral têm defendido que nesta passagem há uma infelicidade de tradução, proveniente da Septuaginta, onde os Setenta traduziram o hebraico “almah” por virgem, quando a tradução exata deveria ser “moça” ou “mulher jovem”. A citação que se encontra em Mateus 1:23 é tirada da Septuaginta “parthenos” e não do texto hebraico. Se Isaías na aludida passagem fizesse referência a virgem ele teria usado o termo “bethulah” e não “almah”.

A Revised Standard Version e a New English Bible traduzem Isaías 7:14 por “a young woman”, transmitindo assim um melhor sentido do original.

Sobre este problema declarou Renato Oberg em Manuscritos do Mar Morto, páginas 36 e 37:

“Um exemplo disto foi a dúvida que levantaram sobre a tradução de Isaías 7:14, profecia muito usada pelos cristãos. Neste versículo, a Septuaginta traduziu a palavra hebraica almah pela grega parthenos que significa virgem. Passados, porém, cerca de dois séculos durante os quais a pureza desta tradução fora até louvada, os judeus tradicionais resolveram dizer que ela estava errada e que a palavra grega correta deveria ser neanis, porque esta dá o sentido da mulher ser apenas jovem e não necessariamente virgem.”

Sobre esta polêmica, Samuel P. Tregelles, tradutor para o Inglês do famoso dicionário hebraico de Gesenius, diz o seguinte:

“O propósito do esforço para minar a opinião que atribui o significado de ‘virgem’ a esta palavra, visa claramente provocar uma discrepância entre Isaías 7:14 e São Mateus 1:23; nada, porém, do que se afirmou, apresenta fundamento real para qualquer outro significado. As versões antigas que dão um significado diferente, fazem-no facciosamente, enquanto que a LXX, que não tinha motivos para isto, traduziu-a por ‘virgem’ na própria passagem que já deveria lhes ter dado alguma dificuldade. A absoluta autoridade do Novo Testamento é, contudo, mais do que suficiente para resolver o caso entre os cristãos.”

Quem almejar explicações mais pormenorizadas sobre esta passagem pode consultar o S.D.A.B.C., The Interpreter’s Bible e o livro Old Testament Translation Problems. O Livro Leia e Compreenda Melhor a Bíblia de autoria de Pedro Apolinário, traz um capítulo sobre Isaías 7:14.

V – O SÁBADO SEGUNDO-PRIMEIRO DE LUCAS 6:1

Este verso já foi estudado no capítulo Métodos da Crítica Textual.

Manuscritos gregos como o A, C. D, e trazem num sábado.

O Comentário Bíblico Adventista sobre Lucas 6:1 afirma: “Evidências textuais favorecem a simples expressão “num sábado” . . . Talvez o melhor é admitir, simplesmente, que não sabemos que idéia a palavra “Deuteroprotos” segundo-primeiro, quer transmitir.

VI – FALTA DE EQUIVALÊNCIA ENTRE AS PALAVRAS

Há palavras tanto no hebraico quanto no grego para as quais não se encontra uma equivalência exata nas línguas modernas. Por exemplo a palavra glória como tradução do grego doxa, nem de longe transmite a amplitude do significado original, pois doxa descreve a revelação do caráter e da presença de Deus na pessoa e na obra de Jesus Cristo.

VII – IDIOTISMOS
Este é um dos principais problemas para os tradutores. Idiotismos são expressões, cujas estruturas semânticas e gramaticais são totalmente diferentes, por isso, cada palavra não pode ser traduzida isoladamente, pois as partes não transmitem a idéia da expressão. Numerosos termos hebraicos e gregos, puramente idiomáticos, transcritos palavra por palavra, não podem, senão tornar-se obscuros a um ocidental do século XX, enquanto eram perfeitamente claros às pessoas familiarizadas com a cultura semítica e grega.

Eis alguns exemplos de idiotismos mantidos na tradução em português:

a) Gênesis 3:8
Viração do dia – idiotismo hebraico para tardinha ou parte fresca do dia;

b) Mateus 6:3
Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita. Este idiotismo deveria ser traduzido assim: Tu, porém, ao dares esmola, faze-o de tal maneira que mesmo o teu mais intimo amigo nada saiba sobre isso;

c) Mateus 23:32
Enchei vós pois, a medida de vossos pais. Terminais o que vossos pais começaram;

d) Marcos 2:19
Filhos das bodas. Convidados para o casamento, amigos do noivo;

e) Atos 2:30
O fruto de seus lombos. Significa seus descendentes;

f) Romanos 12:20
Amontoarás brasas vivas sobre sua cabeça, isto é, farás com que ele se envergonhe da sua atitude. A BLH não devia ter mantido o idiotismo;

g) I Pedro 1:13
Cingindo os lombos do vosso entendimento. Este idiotismo quer dizer: Deveis estar prontos para pensar.

VIII – CONSTRUÇÕES NOMINAIS

Os gregos expressavam acontecimentos por meio de construções nominais, enquanto em Português nós as expressamos muito melhor por verbos. Em Marcos 1:4 está: “Apareceu João Batista, no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão dos pecados.” Uma melhor tradução em português seria: João Batista apareceu no deserto pregando: arrependei-vos e sede batizados e Deus vos perdoará. Note bem estas outras construções nominais:

Efésios 1:1 A vontade de Deus – Deus deseja
Efésios 1:4 A Fundação do mundo – Deus criou o mundo;
Efésios 1:13 O Espírito Santo da Promessa – Deus promete o Espírito Santo;
Marcos 2:20 O Senhor do Sábado – Aquele que comanda o sábado.

Outra faceta para a qual os tradutores deviam atentar seria esta: Frases muito comuns na Bíblia como “filhos da desobediência” (Ef. 2:2), “filhos da ira” (Ef. 2:3) significam simplesmente: pessoas que desobedecem (a Deus); pessoas que experimentarão a ira de Deus, ou melhor ainda – aqueles que serão julgados por Deus, porque “filhos de” é um semitismo que identifica pessoas que são caracterizadas pelo termo que se segue.

Um trecho que merece nossa consideração, diante das observações anteriores é Fil. 2:1-2, que aparece na Edição Revista e Atualizada no Brasil:

“Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento.”

De acordo com a índole do português, uma melhor tradução seria:

Não é verdade que a vida de Cristo os faz fortes? Que o Seu amor os conforta? Que devemos participar do Espírito de Deus? Que é bom cultivar a bondade e misericórdia uns com os outros? Se é assim façam-me feliz, tendo a mesmo pensamento, participando do mesmo amor e sendo unidos de alma e de mente.

IX – DIFICULDADES NO TRADUZIR POR SEREM MUITO DIFERENTES AS LÍNGUAS, OS LUGARES, A CULTURA, OS COSTUMES, ETC.

Só é possível compreender e sentir bem a Bíblia se a pessoa pensasse e sentisse como os israelitas. Seria útil os tradutores estarem familiarizados com as circunstâncias, o tempo e o lugar em que algo foi escrito.

Por exemplo, na Bíblia, o coração é considerado como a sede do pensamento e não da sensibilidade, e os rins dos sentidos. Só assim se pode compreender a expressão: “Deus penetra os rins e os corações”, com o significado de: “Deus penetra nos pensamentos e sentimentos dos homens:”

A falta de vogais no texto do Velho Testamento, antes do trabalho dos massoretas tem trazido alguns problemas de tradução como o seguinte: Hebreus 11:21 diz que Jacó “adorou encostado à ponta de seu bordão”, mas em Gênesis 47:31 está escrito “inclinou-se sobre a cabeceira da cama”. A palavra hebraica para designar cama e bordão consta de três consoantes M T H, as quais no texto hebraico são lidas com as vogais assim Mitah – cama; o autor de Hebreus tirou sua citação da Septuaginta, cujos tradutores leram as três consoantes hebraicas como Mateh – bordão.

A expressão bíblica “reino dos céus” significa “reino de Deus”, em virtude do seguinte: os judeus por causa da relutância ou quase tabu usar o nome de Deus, substituíram-no por céus. Céus indica lugar, enquanto Deus designa um Ser.

Pelo fato da língua hebraica ser pobre em vocábulos, seus escritores tinham dificuldade em diferençar os verbos amar, querer, estimar, apreciar, gostar e seus antônimos odiar, depreciar, desgostar, desestimar. Esta afirmação nos ajudará a compreender a frase de Jesus em S. Lucas 14:26, se considerarmos que na língua que Jesus estava falando “odiar” tem o mesmo valor de “estimar menos” “amar menos”. A tradução de João Ferreira de Almeida, Revista Atualizada no Brasil, traz para o versículo de Lucas 14:26 a seguinte nota ao pé da página: aborrecer, isto é, amar menos, Mateus 10:37.

Muitas outras passagens poderiam ser citadas para exemplificar esta verdade; há traduções que redigidas de modo diferente transmitiriam melhor o significado do original. Vejam-se estes exemplos:

Romanos 8:3 – “Porquanto o que era impossível à Lei, visto que estava enferma pela carne”. A idéia é esta: O que a lei não podia fazer, porque a natureza humana era fraca, Deus fez.

Romanos 1:17 – “A Justiça de Deus é revelada de fé em fé”. A tradução literal grega parece referir-se à justiça de Deus, mas os entendidos na arte de traduzir dizem que há referência ao processo pelo qual Deus torna o homem justo.

A BLH traduzindo “Porque o Evangelho mostra como Deus nos aceita: é por meio da fé, e somente pela fé”, apresenta-nos melhor a idéia que Paulo quis transmitir.

X – PROBLEMAS SEMÂNTICOS

Semântica é a parte da gramática que estuda a mudança do significado das palavras com o decorrer do tempo. As palavras transmitem idéias, têm significação, mas o seu significado pode mudar em virtude de causas históricas e psicológicas. Dentre as causas históricas o cristianismo foi uma das mais importantes, por ser a maior transformação social da humanidade. O cristianismo exerceu uma força extraordinária na linguagem, tanto na criação de novas palavras quanto modificando o sentido de vocábulos já existentes. Ilustrando transformações semânticas, por influência do cristianismo, basta citar: Virtude que era para os gregos a valentia do guerreiro, a coragem do batalhador, passou a significar segundo o Código Cristão o conjunto de todas às boas qualidades morais, disposição para fazer o bem e o que é justo. Batizar era para os gregos enfiar na água, mergulhar, imergir. Josefo falando da destruição de Jerusalém afirma: Eles afundaram, isto é batizaram a cidade. O cristianismo deu-lhe o significado de imergir com uma finalidade religiosa.

Antônio de Campos Gonçalves, secretário da Sociedade Bíblica, em brilhante palestra pronunciada no dia 8 de dezembro de 1973, no Primeiro Congresso Nacional da Bíblia, realizado no Rio de Janeiro, tratou com eficiência da Evolução Semântica na Linguagem da Bíblia.

Dentre suas oportunas observações convém destacar o seguinte parágrafo:

“A linguagem bíblica, em qualquer tempo, o que tem para dizer é o que dizem os originais. Tais originais não mudam de sentido, portanto sua tradução tem de dizer sempre o mesmo, com fidelidade, compreensivamente. É evidente pois, que: se a língua portuguesa, no passar do tempo muda de sentido, quanto a seus vocábulos, tem de mudar vocábulos para não mudar o sentido da Bíblia, não desfigurar suas lições, não amesquinhar virtudes, não desmerecer bênçãos. A semântica, portanto, bem considerada na linguagem da Bíblia, têm seus apelos; sua evolução não se define por apenas preferências de mais ou menos sabor literário, e sim pela imposição inelutável de se dizer hoje, compreensivamente, com exatidão e virtude, o que dizem os originais, em toda a realidade de sua revelação divina.”

Passa depois a ilustrar suas afirmações com múltiplos exemplos, tais como: horta, que nas edições de 1878 e 1886 de João Ferreira de Almeida, aparece como significando jardim. “E Jeová Deus plantou uma horta em Éden à banda do Oriente; e pôs ali ao homem que formara” (Gên. 2:8) . . . “E a árvore da vida no meio da horta” (Gên. 2:9). “E mandou Deus Jeová ao homem, dizendo: de toda a árvore da horta comendo comerás” (Gên. 2:16; 3:3, 8).

A palavra horta está significando o jardim do Éden. Ninguém, hoje, ouvindo falar de horta vai saber que se trata de jardim ou paraíso, porque a palavra sofreu transformação semântica, embora tenhamos ainda vestígios desse sentido no vocábulo horto.

Outra palavra que perdeu totalmente o seu sentido foi solteira. Nas duas edições já citadas de Almeida, aparece em muitas passagens, solteira com o sentido de meretriz, prostituta, pecadora. Vejamos: “Faria pois ele a nossa irmã como uma solteira?” (Gên. 34:31) “… Onde está a solteira (prostituta) que estava no caminho?” (Gên. 38:21) “… em casa de uma mulher solteira (prostituta), cujo nome era Raabe” (Jos. 2:1). Muitos outros exemplos poderiam ser citados, onde a palavra solteira aparece com o sentido de meretriz, prostituta, mas precisaram ser mudados, porque a palavra sofrendo mudança de sentido, não mais traduz a idéia original.

Só se compreende bem certas expressões bíblicas se a pessoa tiver em mente que as palavras sofrem mudança de sentido com o correr dos anos. Um exemplo frisante se encontra em S. João 2:4, quando Jesus se dirige a Maria, sua mãe, com a palavra “mulher”, expressão que hoje não nos parece muito digna, mas que na linguagem de então eqüivaleria a nossa palavra “senhora”.

XI – DIGNIDADE DA LINGUAGEM

Dentre os vícios que atentam contra a dignidade da Bíblia talvez o mais comum seja o cacófato.

A revista “A Bíblia no Brasil” de nossa Sociedade Bíblica, no vol. VIII janeiro-fevereiro-março de 1955, n.º 27, trouxe um artigo do ilustre vernaculista Antônio de Campos Gonçalves “A Cacofonia na Linguagem da Bíblia”, onde ele nos cientifica de que, na Edição Revista e Atualizada no Brasil, mais de dois mil cacófatos foram retirados das páginas da Bíblia.

Os estudiosos dos vícios de linguagem têm divergido bastante na conceituação de cacófatos. Há frases condenadas por alguns, onde outros não vêm nenhuma razão para que seja rejeitada, como as seguintes:

“E todo o Israel que ali se achou” (Esdras 8:25). A expressão ali se, não é nenhum cacófato, mas deve ser evitada por causa do nome próprio Alice. A simples transposição dos termos favorece a redação – e todo o Israel que se achou ali. “E alegra-te tu terra” (Isaías 49:13), foi alterada para – “alegra-te, ó terra”.

Rui Barbosa diz que o cacófato pode ser feio, risível ou indecente. Antônio Feliciano de Castilho afirma que o cacófato pode ser de três espécies: de torpeza, de imundície e de simples desagrado. Observe a diferença entre estes: a vez passada, quem vai debalde entrar no céu, homem de pouca fé, minhas idéias como as concebo, meu poema como o compus, estas são (estação), como morre, como mudo, para ti, as bênçãos desde então, vendo então (dentão), o estrondo do ruído das rodas, cujo topo tocava nos céus (Gên. 28:121, (cujo topo atingia o céu), embora a cidade esteja já dada (Jer. 32:25), (embora já esteja a cidade entregue).

Em Gênesis 32:28 estava: “Não se chamará mais o teu nome Jacó” e em II Reis 4:22: “Manda-me já”, agora se encontra: “Já não te chamarás Jacó” “Manda-me um dos moços.

“E vá cada um” de Jer. 51:9 foi trocado para: “e cada um vá para a sua terra”.

A expressão “como caco coberto de escórias” de Prov. 26:23, ficou mais eufônica – “como vaso de barro coberto de escórias”.

“O sirva cada” de Ezequiel 20:39 tornou-se mais harmonioso com a redação – “cada um sirva”.

Todas estas mudanças devem ter uma respeitosa submissão e fidelidade aos originais.

O seguinte exemplo de Atos 8:20, redação da Bíblia na Linguagem de Hoje bem ilustra a falta de dignidade na linguagem:

“Então Pedro respondeu: Vá para o inferno com o seu dinheiro”. O texto grego nos mostra que ir para o inferno traduz bem o sentido do verbo apollimi = perder-se, perecer. Embora haja perfeita equivalência no sentido do original para o português, a expressão não me parece muito feliz, porque lhe faltou dignidade de linguagem.

A New English Bible traduz esta passagem da seguinte maneira: “You and your money . . . may you come to a bad end”.

É-nos difícil aceitar a idéia, de que Pedro, nesta fase de sua vida estivesse mandando alguém para o inferno. Sua declaração pode, quando muito, ser aceita como uma advertência mais ou menos assim: se não houver uma mudança, você e o seu dinheiro irão perder-se, ou em outras palavras: terão um triste fim.

O trecho que se segue copiado da Almeida Antiga ilustra bem o problema da dignidade da linguagem:

Em Lucas 2:5-7 lemos: “para se matricular com Maria sua mulher … a qual estava prenhe… em que havia de parir … E pariu a seu filho … e o envolveu em cueiros”.

Esta linguagem não serve para nossos dias, embora seja clássica e foi nobre, porém, por perder a sua dignidade deixou de ser polida.

Que pastor teria a coragem de publicar no boletim de sua igreja um anúncio redigido da seguinte maneira: “Nossa prezada irmã, Fulana, informa a igreja de que não tem comparecido porque faz meses que está prenhe e em vésperas de parir.”

Vocábulos que perderam sua dignidade pela mudança de sentido, ou que se tornaram desconhecidos, arcaicos e esquisitos precisam ser substituídos. Os seguintes exemplos são elucidativos: Crescença do Jordão, compridão do caminho, aformoseia, beiços, guarda a porta de meus beiços.

Concluindo esta parte da dignidade da linguagem, cito ainda dois exemplos lembrados por Antônio de Campos Gonçalves:

1º) “A alma generosa engordará.” Prov. 28:25.

Engordar nesta passagem e em muitas outras significa prosperar, então a semântica exige que seja mudada para prosperar.

2º) “Cheia parti, porém, vazia Jeová me fez tornar.” Rute 1:21.

Isto significava que saíra feliz e que voltara pobre. “Ditosa parti, mas o Senhor me fez tornar sem nada”.

XII – EQUIVALÊNCIA DINÂMICA E FORMAL

Os tradutores necessitam estar bem cientes de que uma equivalência formal não transmite, muitas vezes, o exato sentido do original; deve haver o que na linguagem técnica dos tradutores se chama equivalência dinâmica. Por exemplo, a palavra grega sarks = carne, numa tradução formal sempre será traduzida por carne, mas numa tradução dinâmica será traduzida em:

II Coríntios 7:5, por povo; Rom. 11:14, por judeus; Atos 2:17, por homens em geral e em Rom. 8:3, por natureza humana.

Se houvesse verdadeira equivalência dinâmica numa tradução, a poesia da Bíblia sempre deveria ser traduzida por poesia (mais ou menos um terço da Bíblia foi escrita em poesia); cartas deveriam ser traduzidas como cartas, e não como um tratado técnico de teologia.

XIII – PROBLEMAS COM A EDIÇÃO REVISTA E ATUALIZADA NO BRASIL

Carlos Trezza, Ex-Redator-Chefe da Casa Publicadora Brasileira, através de extenso artigo publicado na Revista Adventista, abril de 1969, analisou equilibradamente algumas pequenas mudanças que a Sociedade Bíblica do Brasil fez na Edição Revista e Atualizada. Este artigo bem ilustra os percalços a que estão sujeitos os que têm a pesada responsabilidade de traduzir o texto bíblico.

Eis alguns dos textos discutidos por ele:

“a) II Reis 3:27 Na Edição Revista e Corrigida está: houve grande indignação em Israel; enquanto a Edição Revista e Atualizada no Brasil traduz: pelo que houve grande ira contra Israel.

A New English Bible traduz: “The Israelites were filled which such consternation at this sight. . .” mas em nota ao pé da página aparece – “or there was such great anger against the Israelites . . .”

O que aqui se encontra é suficiente para provar que o texto original é obscuro ou apresenta variantes de leitura. O contexto nos indica que o sentido do texto deve ser este: houve indignação em Israel contra o ato monstruoso do rei Moabe.

Há três interpretações para este texto:

A primeira, a de que a ira foi de Moabe contra Israel, por ter compelido o seu rei ao ato desesperado.

A segunda, a de que a ira foi contra Israel, sim, mas de parte de Deus, por terem exércitos confederados, cuja liderança estava com Israel, levado as coisas a tal extremo.

A terceira, cujo pensamento está dentro do texto não revisado de Almeida, entendo que houve ira ou indignação de Israel contra Moabe pelo ato hediondo praticado em desespero de causa pelo rei Mesa.

O comentarista Lang coloca entre parênteses a preposição “em” assim: “And there was great indignation against (in) Israel . . .”

b) Jó 6:14

Na E. R. C. está: “Ao que está aflito devia o amigo mostrar compaixão, ainda ao que deixasse o temor do Todo-Poderoso.” A Edição Revista e Atualizada no Brasil apresenta: Ao aflito deve o amigo mostrar compaixão, a menos que tenha abandonado o temor do Todo-Poderoso. Com esta mudança o sentido está ambíguo, pois não sabemos se é o aflito ou o amigo que abandonou o temor do Todo-Poderoso.

Uma tradução que parece bastante aceitável é: O que deixa de mostrar compaixão ao amigo aflito, abandona o temor do Senhor.

c) Lucas 14:23 – Obriga a todos a entrar.

O verbo obrigar ou forçar como se encontra na E. R. C. parece ir contra o livre arbítrio que Deus nos concedeu, podendo ainda ser mal interpretado por alguma organização religiosa perseguidora.

O verbo grego é anagcadzo, que significa constranger, forçar, persuadir, fazer a pessoa sentir a necessidade. A idéia original é forçar por persuasão, constranger pelo amor e não pela força.

De acordo com a Analogia da Fé uma melhor tradução seria: “constrange-os a entrar” ou “persuade-os a entrar”.

d) Marcos 12:41 A simples expressão – Arca do tesouro, foi mudada para o rebuscado, difícil e pedante Gazofilácio. Este vocábulo jamais deveria ser usado porque nem um significado tem para o povo em geral.

Muito mais feliz foi a Bíblia na Linguagem de Hoje com a prosaica expressão “caixa de ofertas”.

e) Romanos 5:1
A comissão revisora mudou “temos” para “tenhamos” neste verso. Segundo indica esta mudança foi infeliz.

O problema com este verso se encontra na pequena diferença que existe em grego entre o presente do indicativo e o presente do subjuntivo. Esta consiste apenas da quantidade da letra “o” que é breve no indicativo, mas longa no subjuntivo.

A King James, Revised Version, Trinitária, Moffat, New English Bible e muitas outras boas traduções consignam “Temos paz”.

Para uma melhor compreensão do sentido deste verso ver neste livro – Causas dos Erros na Transmissão do Texto Bíblico, subtítulo Erros Provenientes de Audição Deficiente.

f) I Tessalonicenses 5:23
Esta passagem aparece na E. R. A. B.: “O vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”

Houve a troca da preposição “para” pela contração “na”.

A teologia paulina e os ensinos de Cristo nos mostram que a alteração foi prejudicial, desde que o preparo para o encontro com Cristo deve ser feito ao longo de toda a experiência cristã e não na vinda, ou nas proximidades da vinda do Senhor.

Embora nos pareça muito melhor a tradução para a vinda do Senhor, temos que convir que o original grego traz a preposição em e não a preposição para.”

XIV – LÍNGUAS PRIMITIVAS QUE APRESENTAM DIFICULDADES MUITO ESPECIAIS
Línguas muito primitivas, como algumas africanas, por serem pobres em palavras, não podem exprimir ensinos cristãos acerca do amor, da graça, da fé, da salvação. Descobrir palavras exatas que expressem as verdades encontradas nos manuscritos hebraicos e gregos é tarefa difícil para os tradutores de qualquer língua, mas estas se multiplicam quando as línguas são de cunho completamente diferente ou ainda, quando a língua é falada por pessoas de cultura muito rudimentar.

Eugene A. Nida, no livro God’s Word in Man’s Language, apresenta-nos pitorescos exemplos de traduções para algumas destas línguas. Alguns destes exemplos já apareceram na Revista Adventista – agosto de 1962, pág. 10:

“Os Uduks, que vivem na fronteira da Etiópia, não compreendiam o significado de turbar-se, preocupar-se, até que o missionário descobriu a curiosa frase: ‘Ter calafrios no fígado’. Assim na língua uduk, S. João 14:1 aparece assim: “Não tenhais calafrios no fígado; credes em Deus, crede também em mim.”

Os índios Cuicatecs, do México, atrapalhavam-se com a palavra adorar; estava além de sua compreensão. Mas apanharam a idéia quando foi traduzida por “menear a cauda perante Deus” – como um cão faz na presença de seu amado dono.

Para a tribo Gbeapo, da Libéria, a palavra paz teve de ser traduzida “meu coração se assenta”, ao passo que para os índios Zapotecs, do México, foi traduzida “o coração posto em sossego”.

Para os Miskitos, da Nicarágua e Honduras, amor é “dor no coração”. Assim são João 3:16 é traduzido: “Deus de tal maneira teve dor no coração, que deu Seu filho Unigênito”.

Estes exemplos, e muitos outros que poderiam ser citados, nos comprovam que o importante numa tradução não são as palavras mas o conteúdo, o sentido que elas expressam. O mais importante como já foi dito é a equivalência dinâmica e não a formal.

XV – OUTROS EXEMPLOS DE VERSOS DIFÍCEIS DE SEREM TRADUZIDOS
a) Daniel 8:14.
Em carta recebida de um ex-estudante de teologia havia a seguinte afirmação sobre Daniel 8:14.

“A tradução literal não é ‘purificação’ e sim: trazido à sua situação anterior, vindicado, posto na sua correta função – conforme Gesenius. Ver Revised Standard Version. Isto só pode ser aplicar a Antíoco IV. O verbo que se encontra em Dan. 8:14 é tsadaq – justificar. O verbo purificar ‘chata’ que aparece em outros textos, não é encontrado em Dan. 8:14.”

W. E. Read, insigne pesquisador adventista estudou o problema de tradução de Dan. 8:14, e de suas explicações, encontradas no Ministério Adventista, setembro-outubro de 1967, págs. 21 a 23, podem ser destacadas estas partes mais significativas:

“Daniel 8:14 é o único lugar em toda a Bíblia em que se encontra a expressão ‘o santuário será purificado’. Uma forma um tanto semelhante aparece em Ezequiel 45:18, onde se lê: ‘purificará o santuário’. Estas são as únicas referências a esta expressão da maneira como é aplicada ao santuário nas Escrituras do Antigo Testamento.”

Durante vários anos, porém, têm surgido dúvidas, tanto entre nós como fora de nossas fileiras, no tocante à palavra ‘purificado’ nesta passagem. Afirma-se que a palavra hebraica usada na Bíblia hebraica em Dan. 8:14 não significa ‘purificar’, mas sim ‘justificar, tornar justo’, etc. Lembram-nos também de que este vocábulo é empregado mais de 500 vezes na Bíblia Hebraica, e que Daniel 8:14 é o único lugar em que é traduzida por ‘purificado’. Eruditos de outras denominações cristãs têm sugerido que seria melhor verter o texto do seguinte modo: ‘Então o santuário será justificado’, adotando assim o padrão estabelecido pelos tradutores da palavra hebraica, em outras partes das Escrituras Sagradas. Além disso, declaram eles, seria plenamente razoável admitir que nessa passagem isolada existe um erro de copista, visto que os manuscritos antigos foram todos penosamente escritos à mão.

“Nosso propósito neste artigo será mostrar que embora a palavra hebraica Tsadaq possa as vezes ser traduzida de maneira diferente em Daniel 8:14, tomando-se em consideração o contexto e todo o sentido em que é usado o vocábulo hebraico, a versão mais apropriada é ‘purificado’. Isto não quer dizer que ela não tenha um significado mais amplo, mas quando foi dada ao profeta e dentro do limite da interpretação do contexto, a purificação aí mencionada refere-se àquilo que ocorria no ritual do grande Dia de Expiação em Israel (ver Levítico 16). Salientamos, portanto, que o termo mais apropriado a ser usado em Daniel 8: 14 é purificado, conforme já mencionamos.”

Depois de citar que alguém afirmou que nessa questão fomos influenciados pelos escritos do Espírito de Profecia, ele verificou que embora seja essa a tradução da King James Version, a Bíblia usada por Ellen G. White, e declarar que ela também fez uso de outras traduções, ele prossegue:

“Examinaremos agora as razões para crermos que em Daniel 8:14 deve ser usada a palavra purificado:

1. Esta é a tradução que aparece em muitas Bíblias, embora haja alguns tradutores que tenham empregado termos diferentes, não devemos olvidar o fato de que muitos traduziram o vocábulo hebraico por ‘purificado’.

2. Ele é traduzido por ‘purificado’ na versão dos Setenta.

Quando esses eruditos, (os 70 sábios judeus) tiveram de traduzir Daniel 8:14, resolveram verter o verbo hebraico Tsadaq para o vocábulo grego katharizo, cuja significação primordial é limpar, purificar. Sem dúvida foram induzidos a isso pelo contexto e outros fatores. Foi o único lugar em que verteram dessa maneira aquela forma verbal. Todas as outras vezes usaram a palavra grega dikaioo (‘tornar justo’).

3. A palavra purificado está intimamente relacionada com o dia da expiação (ver Levítico 16).

É o que temos ensinado através dos anos, pois no grande Dia da Expiação eram purificados o povo, o altar e o próprio santuário.

Isaque Leeser (erudito judeu), embora tenha vertido a palavra por ‘justificado’ em sua tradução da Bíblia, faz uma importante observação na margem. Rashi explica: ‘Quando as iniqüidades de Israel foram expiadas’. Isto demonstra que pelo menos um eminente comentarista judeu admitia a conexão entre a ‘purificação’ em Daniel 8 e o ritual do Dia da Expiação.

Outro ponto com relação a isto é que em Levítico 16:19 e 30, a palavra para ‘purificar’ é tahar, que significa estar ‘limpo’, ‘limpar’, ‘purificar’. Mas em Daniel 8:14 a palavra em hebraico é Tsadaq, e em Ezequiel 45:18 ‘purificarás’ provém do vocábulo hebraico chata – pecar, purgar, etc. Eis aí três palavras hebraicas diferentes, cada uma com seu próprio significado especial, as quais no entanto foram todas traduzidas na Versão dos Setenta – em Levítico 16:19 e 30; Daniel 8:14 e Ezequiel 45:18 por katharizo, que é a palavra grega para ‘purificado’.

4. Não estamos sozinhos em nossa interpretação de que em Daniel 8:14 o vocábulo certo é ‘purificado’.

a) Pelos menos duas Bíblias hebraicas trazem a expressão ‘purificado’.

b) Afirma C. F. Keil: Tsadaq significa originalmente ser justo, o que não é adequado aqui, pois deve ser deduzida ‘da profanação do templo’ (pág. 302).

c) Escreve Frank Zimmermann: ‘a purificação do templo seria exatamente a preocupação do autor . . . A tradução devia ser portanto ‘E o templo será purificado’. pág. 262.

d) Um comentário bem moderno traz o seguinte: será restaurado: literalmente, ‘será justificado’. Se nos apegarmos ao texto massorético, o sentido é que enquanto o templo continuasse a ser profanado ele estaria sob condenação, mas quando fosse purificado e restaurado, poderia ser usado novamente como lugar para oferecer sacrifícios. O hebraico desta passagem, entretanto, não é muito satisfatório, e o grego katharisthesetai indica que os tradutores inferiram que significasse purificado. Ginsberg (op. cit., pág. 42) mostra como o hebraico pode ter surgido do aramaico . . . : ‘será purificado’. (The Interpreter’s Bible, sobre Daniel 8:14).

5. No movimento milerita e em tempos anteriores, a interpretação geral era ‘purificado’.

6. Embora insistam na palavra ‘justificar’ ou ‘tornado justo’ em Daniel 8:14, muitos comentaristas modernos não têm dificuldade em usar o vocábulo ‘purificado’, devido à aplicação que faziam ao período dos Macabeus.

Ao fazer isto, eles estão seguindo amplamente o exemplo de Josefo, nas partes em que ele empregou o termo grego katharizo, traduzido por ‘purificado’. . .

Portanto, sob o aspecto dos pontos mencionados até aqui, temos excelentes razões para nossa interpretação de que à luz do contexto, Daniel 8:14 deve dizer: ‘Então o santuário será purificado’.”

O articulista em um segundo artigo, se aprofunda no estudo da palavra hebraica “Tsadaq” para mostrar que é uma palavra de múltiplos significados, por isso o tradutor deve examinar cuidadosamente o seu significado em determinada passagem, atentando bem para o contexto em que está sendo usada.

b) Isaías 45:7. A tradução em português afirma:

“Eu formo a luz, e crio as trevas, faço a paz e crio o mal; eu o Senhor faço todas estas coisas.”

Há aqui um problema de tradução, pois diz que Deus cria o mal. Deus é o autor do bem, da luz, da paz, mas Ele permite “o mal” para que anjos e seres humanos possam ver o resultado de se apartarem dos princípios da justiça. Este verso poderia ser traduzido assim: “Eu formo a luz e corto as trevas, faço a paz e seleciono ou permito o mal que vem sobre os homens.

Bará que está no original, não seria aqui criar, mas permitir, porque no hebraico não há idéia de que Deus crie o mal.

b) Isaías 65:20, Edição Revista e Atualizada no Brasil:

“Não haverá mais nela criança para viver poucos dias, nem velho que não cumpra os seus; porque morrer aos cem anos é morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado.”

Os comentaristas têm ficado perplexos diante destes versos, porque ele fala em morte e pecado na vida por vir, quando estas coisas já estão no passado.

Há muitas explicações procurando tornar o seu sentido um pouco mais compreensivo para nós, mas nenhuma delas nos satisfaz plenamente. Existem traduções desta passagem, que não podem ser aceitas, por serem mais interpretações pessoais. É um texto difícil de ser traduzido, pois mesmo nos mais antigos manuscritos hebraicos não tem sentido lógico.

Skinner descreve o pensamento como “inexplicavelmente antinatural e obscuro”. Talvez o melhor que se possa fazer sobre ele seja o seguinte: Não sabemos o seu exato significado e muitas das explicações que dele existem nos deixam ainda mais perplexos.

O Ministério Adventista – julho-agosto de 1954, pág. 18, trouxe do professor de Línguas Bíblicas do Emmanuel Missionary College, Otto H. Christensen uma destas explicações, mas após a atenta leitura do seu artigo, encontrava-me muito mais perplexo do que antes, porém, não é fácil concluir se a culpa é do verso, do expositor ou minha, por isso é melhor pontofinalizar esta parte. É inútil querer explicar coisas para as quais não há explicação completa.

c) Outros Problemas de Tradução

A seção “O Atalaia Responde” recebeu de E. R. L., a solicitação para que explicasse se as passagens de Mateus 18:11; 23:24; Marcos 7:16; 9:44 e 46; 11:26; Lucas 17:36; João 5:4; Atos 8:37; 15:34; 24:7; e Romanos 16:24 se encontram ou não no original. A versão Novo Mundo não as traz por não fazerem parte do texto grego.

“O Novo Testamento foi escrito em grego e o que temos hoje são meras cópias daquilo que os autores inspirados escreveram. Isso significa que há variações entre as várias versões do Novo Testamento. Nossas traduções tradicionais às vezes diferem em pequenos pormenores de outras traduções baseadas em diferentes textos antigos. Observe que estas variações, felizmente, são de pequena monta e em nada interferem quanto às doutrinas fundamentais na fé cristã.

O estudo dos manuscritos bíblicos constitui uma verdadeira ciência e é matéria geralmente oferecida nos cursos superiores de Teologia. Não convém, pois, discuti-la com pessoas que não tenham conhecimento a respeito, por tratar-se de questão essencialmente técnica.

A chamada “Versão Novo Mundo” tem alguns pontos positivos, como todas as versões atuais em geral, mas tem também aspectos tremendamente negativos, passagens traduzidas de encomenda para enquadrar-se na teologia particular de seus editores. Pode-se dizer seguramente que é uma versão indigna de confiança, que jamais despertou a atenção e o interesse dos eruditos. . . .

Quanto às passagens que enumerou, eis o que diz, em síntese, o SDA Bible Commentary, abalizado comentário bíblico:

– S. Mateus 18:11 e 23:14 – Evidência textual dividida quanto à antigüidade dessas passagens. Em S. Marcos 12:40 tem-se os mesmos dizeres, onde é incontestável. Ver que na Edição Revista e Atualizada no Brasil ambos os textos estão entre colchetes e na página de rosto do Novo Testamento há a explicação: “Todo conteúdo entre colchetes é matéria da tradução de Almeida que não se encontra no texto grego adotado”;

– S. Marcos 7:16 – A evidência textual está dividida entre incluir ou excluir tal passagem. Contudo, Cristo freqüentemente usou aquela expressão (ver S. Mateus 11:15, etc.) e é certamente apropriada nesse contexto. Entre colchetes na Edição Almeida Revista e Atualizada.

– S. Marcos 9: 44 – Importante evidência textual pode aqui ser citada para omissão dos versos 44 e 46, como tendo sido repetidos com base no verso 48, idêntico. Também entre colchetes na Almeida Revista e Atualizada.

– S. Marcos 11:26 – A evidência textual pode ser citada para a omissão do verso 26, embora a maior parte dos manuscritos tenham o mesmo pensamento em S. Mateus 18:35. Entre colchetes como nos casos anteriores.

– S. Lucas 17:36 – As mesmas palavras desse texto aparecem, incontestadas, em S. Mateus 24:40. Entre colchetes na Almeida Revista e Atualizada.

– S. João 5:4 – Verso omitido em muitos originais e entre colchetes como nos casos acima.

– Atos 8:37 e 15:34, idem, idem.

– Atos 24:7 – Não consta nenhum comentário falando da possibilidade de dúvida quanto ao texto original dessa passagem.

– Atos 28:29 e Romanos 16:24 – Não consta da maior parte dos originais e também vem entre colchetes na Almeida Revista e Atualizada.

Deve-se ter em mente que a Versão Almeida é anterior a certas descobertas recentes no campo dos manuscritos bíblicos. Versões mais modernas são mais exatas, com base nesses novos achados. Esta versão Almeida Revista e Atualizada merece plena confiança pois apresenta os textos duvidosos entre colchetes. Sendo publicado pela Sociedade Bíblica, serve a todas as denominações, sem preferências.” (Revista Atalaia, novembro, 1976, p. 25).

Para uma melhor compreensão de outros problemas que tradutores precisam enfrentar, ver o livro Problems in Bible Translation editado pela Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, especialmente o capítulo: “Um Estudo dos Problemas de Tradução”.

Na apresentação deste capítulo foi de grande valia as oportunas sugestões de Eugene A. Nida, encontradas no livro The Theory and Practice of Translation.

Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 25.

Nenhum comentário: