1 de dez. de 2011

O Trabalho dos Massoretas

O hebraico, por nós já estudado, como era originalmente escrito, constava apenas de consoantes, sendo os sons vocálicos supridos pelo leitor. Este processo obrigava o leitor a pensar e ir interpretando o texto, para descobrir-lhe o exato sentido, pois três consoantes (assim eram formadas as palavras em hebraico) com vogais diferentes, podem indicar coisas muito diversas, como ilustram as consoantes portuguesas p t t, nas palavras pateta, patota, e patote, e ainda b r d – barda, bardo, borda, bordo, etc.
A escrita das consoantes apenas, foi processo adequado enquanto o hebraico continuou sendo um idioma falado. Quando aparecia uma palavra que podia ser ambígua, eram usadas “letras vogais” para deixar o texto mais claro. Quatro consoantes fracas, algumas vezes eram usadas como vogais = álefe, hê, vau e o iode. Quando o hebraico foi deixando de ser uma língua falada (já no tempo de Cristo não era uma língua viva) muito mais difícil ficou a pronúncia correta das consoantes sem sinais vocálicos. A pronúncia correta das palavras era transmitida pela tradição oral, mas em breve foi sentida a necessidade de ser esta representada por escrito.

A prova de que a palavra formada tão somente de consoantes é ambígua, na sua acepção, nós a temos em um exemplo da Bíblia em que as três consoantes não foram corretamente interpretadas. Hebreus 11:21 diz que Jacó “adorou encostado à ponta do seu bordão”, ao passo que em Gênesis 47:31 lemos que ele “inclinou-se sobre a cabeceira da cama”. A palavra hebraica para designar cama e bordão consta de três consoantes M T H, as quais no texto hebraico são lidas com as vogais assim: M(i) T(a) H, cama; o autor da Epístola aos Hebreus tirou a citação da Septuaginta, cujos tradutores, leram a palavra desta maneira: M(a) T(e) H, bordão. (Ver História, Doutrina e Interpretação da Bíblia – Joseph Angus, vol. l, p. 20).

Os Massoretas

Massoretas eram os escribas judeus que se dedicaram a preservar e cuidar do manejo do texto hebraico do Velho Testamento. Às vezes o termo também é empregado para o comentarista judeu do livro sagrado. Eles substituíram os escribas (Sopherins) por volta mais ou menos do ano 500 A.D. e prosseguiram em seu dedicado trabalho até o ano 1.000 A.D.

Os massoretas tinham publicado manuais que serviam de orientação para copiar o texto. Nestes manuais, chamados “massora” (termo hebraico técnico para a primitiva tradição quanto à forma correta do texto das Escrituras), se encontravam: a) normas orientadoras que os copistas deviam seguir enquanto estivessem copiando o texto sagrado; b) todas as regras gramaticais sobre a língua hebraica; c) os princípios sugeridos pelo Talmude na transmissão do texto.

O minudente e consciencioso trabalho estatístico que os massoretas realizaram é impressionante, empregando toda a técnica que é possível ao ser humano para assegurar a exata transmissão do texto. Dentre as estritas e minuciosas regras a serem seguidas na cópia dos manuscritos, uma era a seguinte: nenhuma palavra ou letra devia ser escrita de memória. Antes de iniciarem propriamente a cópia, eles contavam os versos, as palavras e letras de cada seção e se os números não correspondessem na nova cópia, o trabalho era rejeitado. Além disso existem em nossas Bíblias enormes coleções de notas massoréticas, tratando de assuntos tais como: contavam as palavras de um livro e assinalavam a palavra central, registravam o número de vezes que uma palavra ou frase específica ocorriam, faziam listas com palavras que apareciam uma, duas ou três vezes no Velho Testamento, anotavam as construções e formas já desusadas. Eles notaram, por exemplo, que a letra central da Lei se achava em Lev. 11:42, quanto aos salmos, a letra central está no salmo 80:4, o versículo central é o 36 do salmo 78.

Desde que o supremo alvo dos massoretas era transmitir o texto tão fielmente como o tinham recebido, não faziam nele nenhuma alteração. Onde presumiam que tinha havido algum erro de transcrição, ou onde uma palavra não estava mais em uso polido, colocavam a palavra certa ou preferível, na margem. Neste caso, a palavra correta ou preferida e que tencionavam que fosse lida, chamavam “Qerê” – o que deve ser lido, mas as suas vogais eram postas sob as consoantes da palavra no texto inviolável (esta era chamada de Kethibi = o escrito).

O Tetragrama Sagrado para o Nome de Deus

Um dos casos mais famosos de “Qerê”, é o tetragrama usado para Deus. Deus é designado na Bíblia por vários nomes, porém o mais comum era aquele que O designava por quatro consoantes hebraicas, o “iod”, o “hê”, o “vau”, e novamente o “hê”, conhecidas como Y H W H, algumas vezes também transliteradas em J H V H.

Os judeus eram excessivamente respeitosos para com o nome da Divindade, assim para evitar que alguém o profanasse, pronunciando-o, usavam em seu lugar Adonai = o Senhor.

Os massoretas colocavam sob o tetragrama do texto hebraico consonantal as vogais a, o, â da palavra Adonai. Desde que este título era tão comum, pois aparece no Velho Testamento 6.823 vezes, os massoretas acharam desnecessários chamar a atenção para este “Qerê” = o que deve ser lido; recebendo até o nome de “Qerê Perpétuo”. Já no tempo da Reforma quando se incrementou o estudo das línguas bíblicas, ao lerem o Velho Testamento, por não compreenderem bem o problema de “Qerê e Kethibi” uniram as vogais da palavra Adonai com as consoantes do tetragrama, aparecendo a palavra hebraica Jeová, até aquele tempo inexistente. A pronúncia correta em português para este nome da Divindade deve ser Javé ou Jaweh.

Os massoretas legaram-nos também uma crítica bem autorizada do texto, fazendo-nos saber que aqui ou ali uma palavra deve ser introduzida ou mudada ou posta de lado, mas toda essa crítica está colocada na margem. Sugerem a divisão correta das palavras – Salmos 55:26; 123:4, a transposição; alteração e omissão de consoantes: I Reis 7:45, Amós 8:8; a correta forma gramatical ou ortográfica – Ezequiel 27:5; explicações eufemísticas – I Samuel 5:6; Isaías 36:12.

O aparato crítico introduzido por eles é provavelmente o mais completo da sua espécie.

Embora todo a trabalho massorético fosse útil e importante, entre eles o que mais se destaca e o mais conhecido foi a criação de um sistema de sinais vocálicos que introduziram no texto consonantal para a correta pronúncia das palavras. As palavras de Merril Unger nos ajudam a compreender a importância desta contribuição:

“Antes das vogais serem adicionadas ao texto consonantal no 7º século de nossa era, a vocalização era inconstante, variando consideravelmente através dos séculos e em vários países. Um texto vocalizado é muito mais fácil de ser lido e muito menos passível de variações em sua pronúncia. Em certo número de casos, por exemplo a LXX e outras versões antigas leram as consoantes do texto, mas vocalizaram-nas diferentemente.”

Os massoretas inventaram um sistema de 10 sinais com variação para as vogais, a, e, i, o, u. O objetivo destes sinais era preservar a pronúncia do texto, pois como já foi dito, o hebraico já era neste tempo língua morta. A pronúncia por eles conservada era a de seu tempo, porque sabemos que algumas pronúncias originais eram diferentes: Nabucodonosor, era Nabuchuduriza, Melquisedeque era Melquisaducu.

Além das vogais criaram um sistema complicado de acentos, 21 para as seções da prosa e 27 outros para as seções poéticas.

Os livros que estudam o trabalho dos massoretas ainda nos dizem que havia:

1) A Massora Inicial – Um estudo da palavra inicial do livro, que sempre era usada como título para o livro.

2) A Massora Pequena – Eram os comentários que se encontravam nas margens laterais.

3) A Massora Grande – Comentários colocados nas partes posteriores e inferiores da página.

4) A Massora Final – como o nome indica, era posta no final do livro, contendo, especialmente, dados estatísticos para o copista, como número de letras e palavras daquele livro, a palavra medial, etc.

Apesar do trabalho dos massoretas ser bastante cuidadoso, nem todos os manuscritos foram copiados com tal esmero e exatidão, como é visto no capítulo “Causas dos Erros na Transmissão do Texto Bíblico”. Em conseqüência nem todas as cópias sagradas do original são exatamente iguais, há muitas variações dos manuscritos, que dificultam bastante o trabalho dos tradutores. Apesar destas variações, o trabalho da Crítica Textual tem sido tão eficiente na reconstrução do original, que na essência o texto da Bíblia não sofreu nenhuma alteração.

Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 12.

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